quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Maquiagem contábil afeta credibilidade

No último ano do governo Lula, números sobre emprego, investimentos e contas públicas foram “torturados” para ficar dentro da meta

Torture os números e eles confessarão qualquer coisa, costuma dizer o escritor e jornalista norte-americano Gregg Easterbrook. Em seu último ano, o governo Lula aplicou a frase ao pé da letra. Números sobre emprego, investimento e contas públicas foram puxados e esticados para ficar dentro da meta anunciada. Segundo economistas, a maquiagem contábil afeta a credibilidade do país diante dos investidores e deturpa as comparações estatísticas dos indicadores oficiais.
A medida mais preocupante foi a contabilização, como receita do governo, dos recursos que ainda virão da exploração do pré-sal – artifício que coloca um fardo sobre as próximas gerações de brasileiros. A engenharia financeira envolveu a capitalização da Petrobras, o Tesouro e o BNDES. Em setembro passado, o governo emitiu R$ 42,92 bilhões em títulos públicos para ampliar sua participação na companhia, que passaria por uma oferta pública de ações. Por causa da cessão onerosa (“venda”) de 5 bilhões de barris de petróleo, o governo recebeu de volta da Petrobras R$ 74,8 bil hões. A “sobra”, de R$ 31,9 bilhões, foi então contabilizada no superávit primário – o índice que demonstra quanto o governo economizou para o pagamento da dívida pública.
“Foi uma tentativa frustrada do governo de mostrar para os meios econômicos que estava sendo austero nas suas contas, mantendo seu compromisso de manter o superávit. A principal consequência é que pode levar aqueles que tomam as estatísticas do governo ao pé da letra a tomar decisões equivocadas”, afirma o professor da FAE e presidente do Ipardes, Gilmar Lourenço, que também é autor de Conjuntura Econômica e Modelo de Compreensão para Executivos, livro que aborda a importância dos indicadores econômicos na tomada de decisões.
Outro truque do governo, menos polêmico, foi descontar os gastos com o Programa de Aceleração do Crescimento no superávit primário. Cerca de R$ 11 bilhões usados no programa não foram incluídos como gasto. A manobra visou o cumprimento da meta de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB) e só foi possível graças a uma brecha prevista na legislação, na qual os gastos com projetos incluídos no PAC podem ser classificados como investimentos. Mas 2010 foi a primeira vez em que isso ocorreu. Nos outros anos, o governo sempre contabilizou o dinheiro do PAC como despesa. “Tecnicamente, a manobra não está equivocada. Mas como desde o início o governo anterior sempre contabilizou os gastos do PAC como despesa, deveria ter mantido essa coerência”, diz Lourenço.
Marcelo Curado, professor de Economia da UFPR, também lembra que as mudanças de metodologia acabam atrapalhando as comparações temporais. Os dois economistas concordam, porém, que o mercado está atento e consegue descontar as manipulações no momento de fechar os números sobre governo. “A questão é que os índices governamentais perdem credibilidade, mas o mercado sabe das estratégias e leva isso em consideração em suas decisões”, diz Curado.
Emprego
Até no mercado de trabalho, uma das áreas que mostrou maior avanço durante a gestão Lula, os números foram manipulados. Promessa importante em ano eleitoral, o governo afirmava desde o início do ano passado que o país fecharia 2010 com 2,5 milhões de novas vagas com carteira assinada. O número só foi atingido graças ao uso dos dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais). A Rais contabiliza os empregos declarados pelas empresas fora do prazo e costuma ser divulgado apenas no mês de maio de cada ano – portanto não incluído no número do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), usado como indicador dos empregos no país. No ano passado, porém, o Rais foi incluído no Caged. Sem a manobra, o número de vagas teria ficado em 2,13 milhões em 2010.
Regras


O governo anterior alterou as regras de alguns indicadores para conseguir atingir as metas. Veja alguns exemplos:

Petrobras

A promessa
Aumentar o capital da Petrobras com o dinheiro de investidores.

A conta
A cessão onerosa (“venda”) de 5 bilhões de barris de petróleo à Petrobras rendeu ao governo R$ 78,4 bilhões. A ideia do governo era que esse dinheiro retornasse à estatal, via BNDES, para turbinar os investimentos da empresa, mas parte dele – R$ 31,9 bilhões – foi usada para atingir a meta fiscal de setembro. Na prática, o governo antecipou o dinheiro que virá da exploração do pré-sal e o contabilizou como receita hoje. Sem a manobra, o resultado fiscal do governo no mês teria sido de R$ 6 bilhões negativos, e não positivo em pouco mais de R$ 26 bilhões, como foi anunciado.

Superávit primário

A promessa
Fechar 2010 com superávit primário de 3,1% do PIB, ou R$ 113,4 bilhões.

A conta
O governo abateu das contas públicas R$ 11,7 bilhões de gastos com o Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC. O valor é equivalente a 0,32% do PIB.

Emprego

A promessa
Fechar 2010 com 2,5 milhões de novas vagas de trabalho com carteira assinada.

A conta
O governo antecipou as informações da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), sempre divulgada em maio, contabilizando as contratações do serviço público e as vagas declaradas pelas empresas fora do prazo. Sem a manobra, o resultado do emprego no país no ano passado seria de 2,13 milhões de vagas com carteira assinada.



Fonte: http://www.gazetamaringa.com.br/online/BRENO BALDRATI

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