quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

A Crise no Comércio Exterior e o Papel do Setor Privado



Ao longo das últimas três décadas, o setor externo da economia brasileira sofreu uma série de choques que foram:
  1. o ajustamento externo para fazer face à crise da dívida externa que eclodiu em 1982, cuja resposta viabiliza a transferência real de recursos para o exterior, e que perdura até o início dos anos noventa;
  2. a adoção de uma política de estabilização dos preços internos, iniciada, em 1986, com o então o Plano Cruzado, que buscava sincronizar preços internos, cambio e salários, cujo resultado foi produzir um desalinha mento cambial até o inicio dos anos noventa. Em 1990 se implantou ainda o Plano Collor, e, em 1994, se adotou o Plano Real, cuja essência foi ser uma política de estabilização com base numa taxa de cambio quase fixa, que perdurou até o final 1998, quando se transitou para um regime de taxas de cambio flexíveis;
  3. Uma política de abertura econômica que se iniciou em 1988, aprofundada em 1990, quando foram reduzidas as tarifas aduaneiras e removidas medidas não-tarifárias, e consolida-se, em 1995, quando se estrutura um grau de proteção comum no Mercosul, sob a forma de união aduaneira imperfeita, decorrência do acordo de Ouro Preto em 1994;
  4. A introdução na política de exportação brasileira de novas distorções e barreiras internas desde o início dos anos noventa e que se aprofundam na primeira década do século XXI. Essas distorções são de corte tributário, financeiro e burocrático que provoca, mantém e só fazem aumentar o viés anti-exportação da economia nacional;
  5. A elevação dos custos, ao longo dos anos noventa e início do século XXI, de transportes e de logística voltada para o comércio exterior. Esta se deteriora a olhos vistos, torna-se mais cara, e começa a ser disfuncional, principalmente para a carga geral;
  6. Ocorrem duas crises no balanço de pagamentos, uma em 1999 e outra entre 2002/2003; e
  7. A partir de 2009 os termos de trocas nacionais se deterioram, e o volume de exportação decresce em torno de 22%, algo só visto e constatado no inicio dos anos cinqüenta.
Vale ainda lembrar que a incerteza observada no biênio 2002/2003 quanto aos rumos da condução da economia degenerou em crise na conta de capital do balanço de pagamentos e em ataques especulativos ao real, forçando desvalorizações nominais e reais sem precedentes na história econômica brasileira. O governo que assumiu o poder em 2003 restaurou a credibilidade da política econômica e, em função do crescimento da demanda internacional o setor externo da economia brasileira veio apresentando resultados positivos. 


Sem dúvida, o período 2003/2007 será lembrado como um tempo em que graças ao expressivo crescimento das vendas externas nacionais, se viabilizou e garantiu superávits comerciais, que permitiram resultados positivos no Balanço de Pagamentos em Transações Correntes.

Quanto a este aspecto, cabe ressaltar que durante aquele período foi a primeira vez que se verificou, no Brasil, a obtenção de superávits em transações correntes ao longo de cinco anos seguidos, desde a Segunda Grande Guerra. Sem dúvida, o simultâneo crescimento das exportações brasileiras associado à manutenção dos superávits em transações correntes por longo período deveria ter significado uma "virada histórica" para o Brasil. 


Na verdade deveria ter sido uma época para a transformação radical da economia nacional porque significaria a saída definitiva da fase de administração da escassez de divisas, de crise e controles sobre o balanço de pagamentos, para um período de abundância de moedas conversíveis nunca antes observado na história deste país. 

Entretanto, tal cenário não ocorreu, porque já há algum tempo as nossas importações estão se expandindo a taxas superiores às das nossas exportações, tornando incerta a permanência de superávits na balança comercial, o que, associado ao nosso déficit estrutural da conta de serviços e rendas, fez com que, a partir de 2008, o resultado das transações correntes já apresentasse déficits, numa reversão e velocidade nunca antes vistas desde quando se começou a computar os dados do Balanço de pagamentos no final dos anos quarenta do século passado.

Para piorar estamos enfrentando e atravessando um novo choque externo, decorrente da contração generalizada da demanda e do crédito nas economias desenvolvidas que degenerou em crise mundial, e que tornou clara a nossa fragilidade produtiva e limitada capacidade competitiva. 

Essa realidade, que vem à tona, deveria ser à hora para que o país quebre paradigmas de execução de política de exportação e assim possamos romper com a nossa vulnerabilidade externa e com a fragilidade das nossas vendas para o exterior. A fragilidade se expressa na continuidade da concentração da pauta de exportação em commodities - embora com maior diversificação -, e na marginalização da política de produção que atenda, concomitantemente, a necessidade de diversificar e aumentar a produção para garantir a adequação e equilíbrio das contas externas, com a eliminação da tendência estrutural ao déficit em transações correntes.

Para enfrentar a crise que já estamos passando e evitar o retorno ao passado, destruindo as conquistas obtidas desde a redemocratização até o momento presente, o governo terá que adotar medidas e ações que remova os custos internos elevados que afetam e restringem a aceleração das exportações de bens e mercadorias. Esses são: cambio, carga tributária remanescente, falta de financiamento e garantias, peso da infra-estrutura, sobretudo portuária; e burocracia associadas a exigências acessórias como taxas, emolumentos, etc. 

Isso mostra que a intervenção burocrática do Estado Brasileiro no comércio exterior é extremamente pesada e custosa, e os homens de governo não vêem o setor privado como a força propulsora da sociedade, mas, apenas, um mero instrumento do interesse da administração do momento, com objetivos políticos ou arrecada tórios. Muito adiantaria se o Governo visse o setor privado como aliado, apoiando e ajudando a desenvolver forte ação promotora externa, além de buscar soluções para superar barreiras internas às exportações.

Devemos ainda lembrar que o caminho para enfrentar a atual crise internacional será longo e penoso como ocorreu nos anos trinta. Como esse ano é um ano de eleições, agora é à hora para estabelecer uma agenda com propostas e medidas para remover as barreiras internas incidentes sobre o comércio exterior. 

O problema fundamental é que as medidas a serem adotadas precisam definitivamente romper com o legado e a pratica dos instrumentos usados e concebidos entre 1929/34, 1964/66 e depois da Constituição de 1988. Isso requer ruptura do poder institucional vigente. Essa ruptura dentro da normalidade democrática dependerá da capacidade da sociedade brasileira compreender que o enfrentamento da crise internacional obriga o país a modernizar as bases legais pré-existentes. 

Nesse sentido, num primeiro momento devemos fazer que a sociedade olhe de novo a nossa história de comercio exterior para identificar medidas e entender como foram superados (ou não) os obstáculos na gestão dos instrumentos de política cambial, comercial, tributária, financeira e de regulação, e, então decidir pela ruptura pela via democrática. 

Devemos recordar que, do ponto de vista político, em 1930 há a ascensão política de Getúlio Vargas, e, há ruptura do poder constitucional e institucional. Na ocasião se começa a criar as bases legais e as instituições para estabelecer e implantar uma política de comercio exterior, tanto para controlar quanto incentivar o comércio exterior brasileiro.

Naquele momento, o que importava era obter equilíbrio no mercado cambial mediante uma equivalência entre os recebimentos e os pagamentos para o (do) exterior. Isto foi obtido por meio de decretos-leis datados de 1931 e 1933 que deram poder de monopólio ao Banco do Brasil, centralizando nele todas as operações cambiais. Por sua vez, para definir e coordenar a política de governo para enfrentar a crise internacional em curso foi criado, em 1934, o Conselho de Comércio Exterior. Esta é uma instituição pioneira de planejamento da ação governamental - ao envolver vários órgãos do Estado num mesmo local e sob comando único -, que tanto serve para serem firmadas alianças entre setor privado e Estado, quanto para se ter embates entre ambos. 

Para que a igualdade entre recebimento e pagamentos não fosse empecilho ao processo inicial de transição de uma economia agrário-exportadora para uma industrialização com base em manufaturas leves, ao longo dos anos trinta até os cinqüenta, o governo criou mecanismos para encarecer ou postergar as trocas da moeda nacional por moeda estrangeira entre residentes e não residentes. Para encarecer as importações o governo adota desde a criação da CEXIM, carteira de exportação e importação do Banco do Brasil em 1941, o critério da essencialidade para liberar a importação e, nos anos cinqüenta, decide impor leilões de cambio cuja gestão errada por esta instituição se degenera em proliferação de suborno e propina que resultam na sua extinção em 1953. E, para postergar os pagamentos internacionais o governo cria ,em 1954, a operação de importação sem cobertura cambial, no bojo da instrução 113 da antiga SUMOC. 

Por sua vez, do ponto de vista cambial, administrar a postergação das obrigações externas requer a analise dos aspectos comerciais, notadamente das importações. A analise destas operações bem como das vendas externas desde 1953 até 1990 ficaram à cargo da CACEX - Carteira de Comercio Exterior do Banco do Brasil, sucessora da CEXIM. Criaram-se assim as guias de importação e exportação, administrou-se a balança comercial, bem como foram estabelecidos acordos de participação nacional e se começou a ofertar financiamento às exportações com vistas a substituir as importações e promover as vendas externas. Vale lembrar que as bases legais para se adotar essa política foram o decreto-lei 37 e a lei 5.025, ambos editados em 1966, e em vigor, e que são as bases atuais da competência legal da SECEX. 

Novamente quanto ao aspecto cambial, dada a não conversibilidade de nossa moeda, o poder de monopólio do mercado de cambio dado ao Banco do Brasil foi transferido ao Banco Central em termos legais, a partir de 1966, quando da sua criação, mas se manteve em vigor os decretos leis da era Vargas. Logo, não há embasamento legal e nem segurança jurídica hoje em dia para estruturar mercado de câmbio livre, com poucas restrições aos pagamentos internacionais, e assim tornar o real conversível.

Já no tocante aos tributos se constatam desde os anos trinta um contrato incompleto constitucional entre a União, Estados, Municípios, exportadores e importadores. No caso do imposto de importação há uma perda de importância enquanto instrumento de arrecadação para União, e se verifica a emergência de uma administração da proteção em que reduz o recolhimento deste imposto em função dos interesses dos projetos de desenvolvimento. O resultado é que hoje não se tem idéia do grau de proteção dada à economia nacional. No caso do imposto de exportação até os anos sessenta este era fonte de receita estadual, ao passo que com a reforma tributaria de 1966, este foi substituído pelo ICMS. Em resumo, se mantém o principio de se taxar as exportações, e sob o aspecto tributário ainda não somos uma Federação. Com a constituição de 1988 ainda há outorga de maior poder à Receita Federal na área de comercio exterior resultando em aumento da burocracia tributária e aduaneira. Em nível federal, aumenta a complexidade e a morosidade do sistema de ressarcimento do IPI, PIS/PASEP e da COFINS, decorrentes de exportação. E, em nível estadual, há o acúmulo de saldos credores do ICMS, também oriundos das exportações. Logo, é preciso reescrever o contrato social entre o Estado e os exportadores e importadores, tornando-o legal e efetivo. 

Numa perspectiva histórica, do ponto de vista institucional, com o Conselho de Comercio de Exterior se instaura a tradição republicana de se exercer o poder de Estado nessa área mediante um conselho, que no período militar se denominava CONCEX, e no momento atual se chama CAMEX. Cabe ressaltar que no passado, as diretrizes de política eram decididas neste conselho e seu acompanhamento ficava a cargo de uma secretaria executiva. Enquanto existiu, a CACEX exerceu esse papel e os aspectos comerciais e de regulação governamental, em sentido largo, exceto o tributário e cambial, eram de sua alçada e o empresariado não reclamava de burocracia no comercio exterior. 

Ressalte-se ainda que no momento presente a legislação brasileira existente permite ao Presidente da República por meio de simples decreto dar poder total à CAMEX para implantar uma agenda de medidas para enfrentar e se sair da crise. Vale ressaltar que no governo atual todos os conselhos e câmaras que tenham participação de ministros sempre ficaram sob a responsabilidade da Casa Civil, exceto a CAMEX. Este detalhe junto à própria dificuldade do governo em adotar medidas que permitam acelerar as exportações, reduzir as importações, e conter o aumento dos déficits em transações correntes só mostram a irrelevância do setor de comércio exterior no atual cenário político. 

Superar isto requer ruptura com passado. O primeiro passo é ter uma agenda de medidas, e o segundo e implantá-la. Porém, implantar essa agenda dependerá, sobretudo, da:
  • Capacidade do setor privado junto com a sociedade civil pressionar o poder político para a realização de ampla e efetiva reforma institucional no comercio exterior;
  • Capacidade do setor privado se juntar em torno de uma causa comum, cooperar entre si e se coalizar de modo a conduzir um processo de ruptura institucional num ambiente democrático.

Isto poderá ser feito mediante a proposição de projetos de lei relacionados aos assuntos apontados acima e que poderão ser apreciados na próxima Legislatura. Também é preciso que o setor privado crie mecanismos mais efetivos para pressionar o executivo a implantar uma verdadeira modernização institucional no comércio exterior brasileiro. Como esse é um ano de eleições gerais, a classe dominante oriunda do setor agrícola, industrial e de serviços - todas produtoras e geradoras da riqueza nacional - deveriam se reunir num conclave de classe produtora à semelhança do ocorreu nos anos quarenta, em Teresópolis, Rio de Janeiro, para uma visão de futuro comum e dar uma diretriz para política de comercio exterior de modo a que o setor possa ter relevância no próximo governo.


Fonte: Mário Cordeiro de Carvalho Junior, economista, e Professor da Faculdade de Administração e Finanças da UERJ

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