domingo, 20 de setembro de 2009

PRÁTICA DESLEAL DE PREÇOS NO MERCADO INTERNACIONAL


A legislação brasileira de dumping

O Brasil, ao contrário da de outros países, não elaborou lei específica para coibir o dumping. Ao contrário, as ações relativas à matéria se fundam diretamente no texto do Código Antidumping da Rodada Tóquio do GATT.

As alegações de dumping são apreciadas pela Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo, através da Conselho Técnico Consultivo. Uma vez decidida a aplicação da medida, os direitos antidumping são fixados por ato do Ministro da Fazenda.

Noção de dumping

Parece importante ter em mente o que é dumping, como categoria específica em face de outras modalidades de práticas ilícitas de comércio exterior. A noção presume a coexistência de dois elementos:

a) a prática de um preço, no mercado do país importador, inferior ao valor normal, entendido como tal o preço comparável praticado no curso de operações comerciais normais para um produto similar destinado ao consumo dentro do país exportador

b) a causação ou a ameaça de causação de um prejuízo importante a uma produção já estabelecida no país importador; ou se a prática retarda sensivelmente a criação da produção nacional

Assim, o dumping só é suscetível de repressão se observados os dois elementos mencionados e as importações são manifestamente a causa principal de um prejuízo importante.

Segundo a regra própria, cada requerente da aplicação da medida terá que provar a existência de um prejuízo e o vínculo de causalidade entre a importação e o prejuízo.

Dano efetivo

O procedimento deste tipo tem por fundamento o dano efetivo à economia ou a unidades economicas específicas por força de prática de preços no mercado de exportação inferiores aos do mercado de origem do mesmo exportador, em condições comparáveis.

O dano pode ser, entre outros, queda de produção, vendas, participação no mercado, lucro, produtividade, retorno dos investimentos ou utilização da capacidade produtiva; efeitos efetivos ou potenciais sobre o fluxo de caixa, estoques, empregos, etc. Nem todos os danos previstos na lei são determinados pela perda de vendas, nem diretamente quantificáveis.

Além disto, como indicado, o Código também prevê a ameaça de dano como fundamento da imposição de direitos. Valeria, assim, mencionar e demonstrar os efeitos possíveis do dano futuro, caso permaneçam as práticas desleais de preços.

Dano material

Segundo o Código (Art. 3, nota 2.) o dano que leva à imposição dos direitos é aquele demonstradamente importante para a indústria, seja em proporção ao volume produzido, seja à receita total. Ordinariamente, não são considerados como relevantes danos que não sejam relevantes para a indústria em questão.

Causalidade

O Código prevê uma série de possíveis concausas, como a retração da demanda e a evolução da tecnologia, que podem eliminar a causalidade entre o dumping e a lesão (Art. 3.3 e nota 5). ], o determinante da lesão. Embora possa ser difícil delinear com precisão o vínculo de causalidade, caberia mencionar as razões negativas pertinentes - porque as demais concausas não são as determinantes ou, pelo menos, porque não são as únicas determinantes do dano.

Dumping em terceiros países

É importante lembrar que o Art. 12 do Código de Dumping prevê que poderão ser levados em conta os efeitos, num determinado país, do dumping ocorrido em terceiros países; por exemplo, o resultado do mesmo quanto às exportações das indústrias do país afetado.

Vale notar que em particular os Estados Unidos tem, em certos casos, se valido do dispositivo do Código para solicitar procedimentos de dumping em terceiros países, para resguardar o interesse de exportação americano.

As outras medidas possíveis

Ao impor acréscimos tarifários ao exportador singular que causa danos por distorção de preços, o procedimento anti-dumping visa primordialmente evitar o prosseguimento da prática lesiva, não reparar os danos efetivos nem impor penalidades.

O objetivo da medida é evitar que a economia interna ou as unidades economicas nela operando sejam lesadas pela prática de preços, incompatíveis com a respectiva estrutura de custos do exportador, a qual se presume revelada pela prática de preços no mercado original do exportador.

Tanto a reparação quanto a penalização podem ser, conforme o caso, objeto de outros procedimentos, administrativos ou judiciais, que serão úteis - até mesmo indispensáveis - na afirmação dos direitos das empresas lesadas. É o que veremos.

a) Defesa da concorrência

Note-se que o dumping, cuja prova se faz perante o Departamento de Comércio Exterior, é também na lei brasileira classificado como crime contra a ordem econômica. Com efeito, diz o Art. 4º da Lei nº 8.137 de 27 de dezembro de 1990:

"Constitui crime contra a ordem econômica:

I- abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente a concorrência mediante: (...)

f) impedimento à constituição, funcionamento ou desenvolvimento de empresa concorrente. (...)

V- provocar oscilação de preços em detrimento de empresa concorrente ou vendedor de matéria prima, mediante ajuste ou acordo, ou outro meio fraudulento;

VI- vender mercadorias abaixo do preço de custo, com o fim de impedir a concorrência. (...)

Art. 11 Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade.

Como o crime em questão é de ação pública (Lei 8.137, Art. 15) a prática em questão, desta forma, é reprimida pelo Estado, que deve tomar as medidas necessárias para prevenir a prática do ilícito. Não se trata, de nenhuma forma, de simples questão de proteção de interesses particulares, mas de tutela da ordem pública.

Assim é que, igualmente na esfera administrativa, a Lei 8.158 de 8 de janeiro de 1991 determina que a Secretaria Nacional de Direito Econômico atuará - inclusive ex officio (Lei 8158, Artº 4º) no sentido de evitar "o cerceamento à entrada ou à existência de concorrentes, seja no mercado local, regional ou nacional" assim como "a fixação de preços dos bens e serviços abaixo dos respectivos custos de produção".

A mesma lei considera infração à ordem econômica, sujeita à repressão administrativa pelo Estado brasileiro:

Art. 3º. - Constitui infração à ordem econômica qualquer acordo, deliberação conjunta de empresas, ato, conduta ou pratica tendo por objeto ou produzindo o efeito de dominar o mercado de bens ou serviços, prejudicar a livre concorrência ou aumentar arbitrariamente os lucros, ainda que os fins visados não sejam alcançados, tais como: (...)

II- limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado; (...)

XIII- vender mercadoria ou prestar serviço sem margem de lucro, visando à dominação do mercado; XIV- importar ou exportar mercadoria ou comercializá-lo abaixo do preço praticado no país exportador em prejuízo de concorrente com estabelecimento no Brasil. (...)

XVI - criar dificuldades à constituição, ao funcionamento e ao desenvolvimento de empresas.

Em face de tal legislação, é facultada ao Governo Federal a imposição de medidas cautelares na esfera administrativa, a pedido da parte ou ex officio (12), e independente da apuração de qualquer culpa ou dolo dos causadores (13), para, por exemplo, regular a importação de produtos que corporifiquem violação das regras de defesa da concorrência.

b)Concorrência desleal

Nada impede que, a par da petição de dumping e das medidas no âmbito da defesa da concorrência - de tutela de direito público -, se tomem as medidas cíveis e penais relativas à repressão da concorrência desleal. Esta, que leva em conta não o interesse do Estado em ter concorrência mas a posição individual de empresas disputando um mesmo mercado, tem sua vantagem no que independe de uma ação do Poder Executivo, o qual pode ter que consultar interesses da política internacional, ou ser limitado pelas regras do GATT.

A repressão à concorrência desleal é prevista no Art. 178 do Dec. Lei 7.903/45, mantido em vigor pelo Art. 126 da Lei 5.772/71, sob o amparo, inclusive, da Convenção da União de Paris de 1883, em seu Artigo 10-bis. Em resumo, tais dispositivos legais reprimem as práticas desleais de concorrência, através de ações cíveis ou penais movidas diretamente pelo interessado. Adotada a via cível, poder-se-ía solicitar a reparação dos danos já incorridos, assim como a imposição de multas (ditas de astreinte) que reverteriam em favor do lesado caso se reincidisse na prática ilícita.

Não parece impossível, com base na tutela da concorrência desleal, postular até mesmo medida cautelar que vedasse provisoriamente a prática desleal de preços, até o julgamento final da causa. Para viabilizar esta medida, no entanto, seria prudente esperar a exigência de caução do juízo quanto aos eventuais danos às rés, caso o resultado da ação fosse, no final, desfavorável ao requerente.

(Protegido pela Lei nº 9.610, de 19/02/1998 - Lei de Direitos Autorais)

Fonte: Denis Borges Barbosa. Doutor em Direito Internacional e da Integração Econômica UERJ; Master of Laws Columbia University School of Law; Mestre em Direito Empresarial UGF; Professor de Propriedade Intelectual PUC/RJ, UERJ, UCAM, FGV/SP e RJ, CEU/SP e Faculdades Curitiba.

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