quinta-feira, 5 de abril de 2012

A União Europeia vista de fora



Elites europeias mantêm poder afastado do povo

Os populistas têm razão numa coisa: a União Europeia não dá ouvidos aos seus cidadãos. E a ação dos dirigentes e das instituições apenas reforça a impressão de que a integração europeia é feita através de medidas tecnocráticas, sobre as quais os populares não têm influência. 

Quando Jürgen Habermas, filósofo alemão, diz qualquer coisa sobre a Europa e o seu país, os alemães tomam nota. Europeu apaixonado, com grande apoio nos EUA, Jürgen Habermas, 82 anos, tece comentários quando acha que as coisas estão a ir muito mal. Assim, deu recentemente uma palestra em Berlim, no meio da atual crise do euro, e cativou o público. Acusa as elites políticas de renegar a responsabilidade de dar a Europa aos cidadãos.

“O processo de integração europeia, que nunca esteve ao alcance da população, é agora um caso insolúvel”, afirmou Jürgen Habermas, num fórum realizado pelo Conselho Europeu de Relações Exteriores. “Não poderá avançar mais enquanto não puser de parte o seu modo administrativo habitual e enveredar por um maior envolvimento do público.” As elites políticas “andam com a cabeça enterrada na areia”, afirmou, acrescentando que “persistem obstinadamente num projeto elitista e na desemancipação da população europeia”.

Os que concordam com Jürgen Habermas citam, muitas vezes, o comportamento de Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, o órgão executivo da UE, e de Herman Van Rompuy, presidente do Conselho Europeu, que representa os 27 Estados-membros. Nestes últimos meses, nenhum deles conseguiu explicar a um público mais abrangente o que está a acontecer à Europa e ao euro. Nas entrevistas que dão, tendem a dirigir-se a uma elite. Nenhum deles chega ao cidadão. “Duvido que alguma vez tenham posto a hipótese de fazer uma reunião municipal”, afirmou Pawel Swieboda, director da DemosEuropa, uma organização independente de pesquisa, de Varsóvia.

Durão Barroso e Van Rompuy foram escolhidos à porta fechada. Angela Merkel, chanceler alemã, e Nicolas Sarkozy, presidente francês, que em matéria de assuntos europeus geralmente contornam o público mais amplo, exerceram uma poderosa influência sobre a escolha da figura que iria gerir Bruxelas. Optaram por líderes fracos, que ficassem comprometidos, dizem os analistas. Os que argumentam a favor de mais democracia na União Europeia, que dê aos líderes de Bruxelas uma verdadeira legitimidade e os force a justificar as decisões em público, estão perante dois grandes obstáculos.

O primeiro é a determinação dos parlamentos nacionais em se agarrarem ao que lhes resta de poder próprio. Neste momento, dois terços da legislação é aprovada em Bruxelas e, depois, passada para os parlamentos nacionais, onde é aprovada com um aceno de cabeça. Não admira que os legisladores alemães estejam tão calejados na questão da crise do euro. O plano, vagamente definido por Merkel e Sarkozy, no encontro de Paris de 16 de agosto, de introduzir uma governação económica na UE, implica uma intromissão de Bruxelas no sistema fiscal e no orçamento da Alemanha. Este tipo de governação é um passo lógico em direção a uma maior integração económica. Mas, e a transparência e a responsabilidade democrática, perguntam os legisladores. Jürgen Habermas diz que não existem.

A UE funciona na base do método


O segundo obstáculo é que, com uma maior democracia, haveria uma reanálise dos tratados europeus que, entre muitas outras coisas, determinam o modo como as lideranças de Bruxelas são escolhidas e o modo de funcionamento das instituições. “É um grande problema de legitimidade. Se o que se pretende é mais legitimidade por meios legais, isso implica a revisão dos tratados”, explicou Krzysztof Bledowski, perito europeu, economista e diretor executivo do Manufacturers Alliance, um grupo de pressão sedeado em Arlington, na Virgínia, que se mantém atento aos desenvolvimentos na Europa. Mas nenhum líder europeu quer reabrir os tratados tão laboriosamente negociados.

A UE poderia, pelo menos, ser democratizada em pequeninas coisas. Contudo, nota Pawel Swieboda, “a UE funciona na base do método, de processos, que têm prioridade sobre a democracia”. Decisões momentâneas, como a introdução do euro, ou o alargamento, são tomadas aos poucos, numa fase inicial, o que dificulta o trabalho dos opositores de reunir apoio público num determinado momento. Mas, depois de arrancarem, ainda são mais difíceis de travar. A Comissão Europeia e os Estados-membros avançam sempre com o argumento de que seria demasiado arriscado e demasiado dispendioso. Para além disso, no fim, todos iremos beneficiar de uma integração mais estreita.

É verdade que a UE não existiria nos presentes moldes sem o “método Monnet”, como às vezes lhe chamam, por causa de Jean Monnet, o fundador da Europa, sob cujas orientações se tomaram as primeiras decisões modestas sobre a integração da indústria europeia do carvão e do aço, no início da década de 1950.

Inexoravelmente, aos poucos, este método levou a um mercado comum de todos os bens. Mas este método também foi aplicado durante a adesão da Grécia ao euro, em 2001, apesar dos avisos de economistas e investidores sobre a legitimidade grega e, mais tarde, durante a adesão da Bulgária e da Roménia à UE, em 2007, apesar dos avisos judiciais e de segurança quanto à situação endémica de tráfico e corrupção nos dois países. Todos estes avisos foram ignorados. O processo não podia parar.

Mas as críticas a este modelo de tomada de decisão também não são bem recebidas.


“A resposta do status quo é que, como é a solução, a Europa não deve ser questionada”, afirma Pawel Swieboda. “Se questionarmos a Comissão Europeia, por exemplo, somos considerados eurocéticos.” Esta abordagem justificou os partidos eurocéticos e populistas. Os pró-europeus chamam-lhes anti-europeus.

Mas os partidos populistas, cada vez mais coniventes com a direita institucional, têm um propósito: a UE não dá ouvidos ao cidadão.

“Faltam-nos verdadeiros líderes europeus”, diz Andrea Römmele, professora de Comunicação em Política e Sociedade Civil na Hertie School of Governance, em Berlim. “Com uma interligação tão grande entre assuntos europeus e nacionais, é grande a necessidade de líderes europeus que comuniquem com o público e fortaleçam a Europa.”

A crise do euro é o melhor exemplo do fracasso dos líderes nesse aspeto. Se e quando a Europa emergir desta atual crise, os partidários de uma maior integração dizem que a liderança em Bruxelas e nas capitais não pode continuar como tem sido até aqui. A menos que as portas da UE se abram à responsabilidade e à democracia, a Europa irá render-se aos populistas.

A sobrevivência da moeda comum da União Europeia, a livre circulação através das fronteiras nacionais e a segurança transatlântica coletiva estão todas em sério risco. Os dirigentes europeus estão ora em negação ora paralisados.

Como pode um líder europeu deixar estes pilares do bem-estar do continente ser atingidos? O problema é que não há líderes europeus, apenas uma chanceler alemã, um Presidente francês, um primeiro-ministro italiano e outros que professam uma visão continental, mas nunca veem muito para além dos seus interesses políticos locais.

A derrocada da Europa é também um problema para os norte-americanos. A fratura do euro poderia arrastar a economia global. A desagregação da NATO significaria que os Estados Unidos teriam de suportar uma carga ainda maior em termos de segurança. Há mais de um ano a viver a crise da dívida, os principais dirigentes europeus ainda são incapazes de tomar as duras decisões necessárias. O caminho mais construtivo seria reestruturar o excesso da dívida, recapitalizar os bancos afetados e abrandar a austeridade o suficiente para deixar os países devedores – Grécia, Irlanda e Portugal são os que estão em maior risco – crescer e regressar à solvência. Nenhum país se pode dar ao luxo de financiar tal solução, mas a Europa como um todo poderia.

Numa saudável concessão à realidade, o Presidente da França, Nicolas Sarkozy, anunciou que os bancos franceses estão agora preparados para prorrogar "voluntariamente" o vencimento de parte da dívida grega. Isso poderia ajudar, mas só se toda a Europa seguir o exemplo da França – os bancos da Alemanha ainda não manifestaram a sua posição – e, em seguida, aliviar a pressão do aumento da austeridade sobre Atenas.

Convencer disto os eleitores europeus exigirá dos políticos que digam a verdade. A alternativa é deixar a Zona Euro dividir-se e o comércio ser prejudicado em todo o continente.

A abertura da maioria das fronteiras internas europeias ao longo das duas últimas décadas representou uma vantagem económica. Mas quase todos os países vêm apresentando um aumento alarmante de partidos políticos anti-imigrantes. A crise económica e a entrada de dezenas de milhares de refugiados da Tunísia e da Líbia fizeram essa xenofobia subir para novos patamares. França, Itália e Dinamarca têm seletivamente optado por furar o acordo histórico de Schengen e as suas fronteiras sem passaporte. O problema dos refugiados é também demasiado grande para ser tratado por qualquer país. Requer, igualmente, liderança europeia real.

A resposta inicial da Europa à brutalidade do coronel Muammar Kadafi na Líbia foi promissora. A França pressionou para uma intervenção internacional e os aliados da NATO concordaram em assumir a liderança, depois de um primeiro tempo de ataques aéreos norte-americanos. Mas o preço de anos de subinvestimento militar pela maioria dos membros europeus rapidamente se tornou claro, tendo de voltar-se para Washington para conseguir bombas e outros apoios básicos. A defesa coletiva sempre partiu do princípio que os Estados Unidos ajudariam a Europa contra uma superpotência como a União Soviética. Mas a incapacidade da NATO europeia em dominar um desafio menor, como a Líbia, deve assustar qualquer Ministério da Defesa na Europa.

Os norte-americanos estão cansados de guerra – e o medo de enfraquecer a NATO já não intimida os políticos, como a campanha da Líbia deixou claro. Não sabemos quanto tempo mais os eleitores daqui vão apoiar uma aliança em que 75% dos gastos militares e uma percentagem muito maior dos combates recaem sobre os Estados Unidos.

Os líderes europeus precisam de encontrar rapidamente uma visão mais ampla, ou europeus – e seus aliados norte-americanos – poderão pagar um preço muitíssimo alto.
Fonte: The New York Times